26/02

– By the way, preciso redigir um artigo para uma revista acadêmica. Resolvi escrever sobre a Globeleza – o grupo de pesquisa fala sobre corpo e mídia, então parece apropriado. Qual a sua opinião sobre a substituição da carne e osso pela mulher virtual?
– No caso dela, para muita gente, até, não é perceptível. E deve ser uma questão de tempo até a fidelidade plena, uma vez que, para aquilo que se propõe, não está distante do que a Valéria tem feito. É coerente. Com relação às outras caracterizações, é importante evitar a gratuidade em nome da exposição, como a tal “Webbie” , por exemplo, que acaba feia pela excessiva imperfeição. Faz lembrar do Max Hedron, que não passava de um ator caracterizado.
– Compartilho de sua opinião. Será assustadora a idéia do corpo ficar obsoleto?
– Acho que o avanço ainda sinaliza com um domínio técnico acima do conceitual, mas acredito que venham a surgir aplicações “inteligentes” para a tecnologia, mesmo que em determinadas situações o corpo seja restrito à motion capture. Um paradigma é o que o George Lucas vem fazendo ao colocar o ator real em chroma puro, interagindo com cenários e personagens virtuais. Como todo início, é natural que esteja distante da perfeição, mas sustenta outras possibilidades para o exercício de abstração. Não é algo simples, mas remete em certo ponto à teatralização pura, do improviso em cima do vazio. Quando isso for percebido e devidamente utilizado em favor da atuação – e não dos efeitos pirotécnicos –, pode surgir uma nova porta para a interpretação.
– Digo “obsoleto”, porque a mídia impõe certos comportamentos que se deparam com as limitações do corpo real.
– O próprio Hans já contou sobre a sua primeira abertura para o Fantástico, onde pretendia colocar as modelos dançando sobre as lâminas em movimento, o que a limitação técnica impediu.
– Isso, isso mesmo! Caras como ele pensam coisas impossíveis e acabam passando para o paladar do público, que exige cada vez mais… nós, espectadores, estamos nos acostumando com essas imagens surreais. Esse é o reflexo da cibercultura, da tal “tecnosociedade”. Perde o corpo.
– Eu acredito que, passada a experimentação, haja uma tendência à acão participativa, e não mais substitutiva. E, com relação à interpretação, nada impede que a inteligência artificial venha a elaborar personalidades complexas, visando quase que ao livre arbítrio. É algo muito superior às marionetes atuais.
– Saindo dessa esfera… que tal o que estamos fazendo agora? Em que outra circunstância seria possível esse papo com você, enquanto finalizo umas animações… eu aqui em Santos, você no Rio? Em carne e osso a gente não teria esse tempo.
– Mas é esse o ponto, de utilizarmos os meios como suporte para potencializar a atuação humana.
– A tecnologia torna isso possível, mas a nossa pressa do dia-a-dia, nosso comportamento atual faz com que o corpo seja lerdo para a velocidade com a qual desejamos interagir. Queremos ser onipresentes?
– É como aquele papo “O computador surgiu para resolver problemas que não existiam.” A demanda pela informação, criada pela tecnologia, exige outra tecnologia para absorvê-la. É a bola de neve.
– Potencializar? Humana? O homem não pode voar ou se comunicar a tal distância, percebe? Estamos nos desumanizando?
– O somatório homem-tecnologia pode voar… é essa a potencialização.
– Lembro-me que meu irmão falava que a cada Olimpíada os nadadores baixavam seus tempos, então, nessa progressão, um dia alguém cairia na piscina ao mesmo tempo em que estaria de volta. A saída e a chegada, virando uma coisa só.
– O grau de humanização da tecnologia vem da nossa utilização consciente. Podemos nos desumanizar, independente dela.
– Só que o homem não pode nadar mais rápido que ele mesmo… uau! Tempo e espaco só existem no limite corpóreo. No virtual é outra história.
– E a luz que movimenta os chips, alimentando a realidade virtual? Nada mais físico. No fundo, tudo decorre desse meio.
– Se eu não tivesse visto você lá no SESC Pompéia, poderia achar que você era apenas o bonequinho do Elesbão. Quem provaria o contrário? Poderia ser qualquer um, ou varias pessoas.
– Em verdade, eu sou o boneco. Aquele cara estranho me representa às vezes.

COMENTÁRIOS

muito oportuno!!!

Rachel - 03.03.04 - 5:46 am

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Amei esse post. Sou professora de conscientização e expressão corporal. Ainda bem que existe cabeças pensantes como a sua. Valeu!

Ruth Mezeck - 24.10.04 - 1:27 pm

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