17/06

– Ela foi a única pela qual me apaixonei.
– Nossa, eu vivo me apaixonando e desapaixonando, já tá até ficando chato.
– Eu guardo um bicho de pelúcia presenteado há quase quinze anos. Um bobalhão, mesmo.
– Ai, que lindo.
– Ainda acho que preciso de interdição.
– Parece história de filme oriental de amor.
– Yokozuna, presente.
– Ando meio cansada para relacionamentos. No fim, eu sei que vai dar errado, mesmo.
– Eu consultei microfilmes do Arquivo Nacional, a pedido dela, em busca de informações para validar uma cidadania européia. Passei dias olhando manuscritos, sozinho.
– Você realmente era apaixonado. E que fim levou? Nunca mais a viu?
– No final do ano passado eu lembrei, e busquei um e-mail para ver como ela anda. Trocamos duas ou três mensagens brevíssimas, e um chat que acabou sendo insosso.
– E ela sumiu de novo?
– Faltou sintonia mesmo para uma conversa trivial, se é que já houve. É outra vida, outro país. O pior é que eu me apaixonei justamente quando ela namorava um grande amigo, e esse impulso incontrolável tornou o processo uma ópera mexicana. Terrível, terrível, viver aquilo calado.
– Isso rende um filme.
– Ele mal dava atenção a ela, o que levou ao fim.
– Romântica demais, essa história.
– Fiz minha primeira dieta – secretamente – para encontrá-la, e passei alguns dias em sua cidade, em sua casa, ajudando com a mudança da família, inclusive.
– E não ficou?
– Nada, bateu a deprimente paralisia da timidez, temendo estragar a amizade, aquela coisa.
– Compra uma passagem, agora!
– Quando ela disse que viajaria para morar em outro país, o mundo ruiu. Encarei todas as horas do ônibus, na volta, profundamente arrasado. Nunca mais nos vimos. Naquele ano, aliás, mandei entregar flores no exterior, no dia de seu aniversário. Só obtive resposta três meses depois, através da mãe.
– Ela devia ter ligado para agradecer.
– Fiz várias coisas ridículas, o roteiro tradicional.
– Coisas ridículas são tão fofas quando estamos apaixonados, mas volta e meia eu lembro de algo, e me arrependo.
– Veja, eu cheguei a começar a ler a tese de doutorado de sua mãe, sobre o história do programa nuclear brasileiro, só para agradar.
– Hahaha já fiz essas coisas, também.
– Controlava até o linguajar, a ponto de ouvir, da mãe, que eu falava muito bem. Que vergonha, que vergonha.
– Meu namorado publicou um artigo sobre fontes de energia, e eu fingi ler só para ele ficar feliz.
– No fundo, é tudo muito parecido.
– Na verdade, eu prestei atenção à diagramação – que, por sinal, era péssima. Agora fiquei deprimida, lembrei de várias coisas trashes que já fiz.

COMENTÁRIOS

Eu enfrentei 30 horas de viagem de onibus, Curitiba-PR – Teofilo Otoni MG por alguem… e aconteceu algo muito, muito parecido.

Por que somos assim? Amamos quem não queremos amar e muitas vezes não amamos quem nos quer?

Mário - 18.06.07 - 2:16 pm

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